segunda-feira, 11 de maio de 2009

Do Desejo

Miguel Anselmo


IV
"Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?"

Hilda Hilst

domingo, 10 de maio de 2009

O contrato

Miguel Anselmo

"Ele a traía sempre às terças-feiras. Ela o traía às quintas.

Certo sábado ele pediu: ponha percevejos no meu arroz.

Ela fez uma comida picante. Acendeu velas azuis. Colocou um tango.

Eles se abraçaram. Sem sentidos.

E aí veio o sangue.

Na sua boca.

Das suas entranhas.

Ela raramente o achou tão sensual.

No domingo ela pediu: espanque-me.

Ele bateu de cinta no seu rosto. Arrancou-lhe um dedo

com o alicate.

Às 10 em ponto eles apagaram as luzes.

Segunda-feira ambos tinham de levantar cedo."

Aglaja Veteranyi

* tradução : Fabiana Macchi

sábado, 2 de maio de 2009

Poema


Miguel Anselmo



"Caminho entre o nada e o de repente

E talvez a saudade me engasge eternamente

Saudade de tudo o que um dia eu fui

E me perdi

Vagando pelo mundo

Soltando os verbos imundos

No escuro do abismo

do peito da solidão amargurada

cantei os últimos versos

sorri o último encanto

no sonho do inimigo

lá eu estava

correndo em sua direção

para o beijo derradeiro

Luz, apareça!

E me encontrarei

Nos teus espetáculos absurdos!"


Alice Xavier