
ser apenas água
"As imagens atravessam os meus olhos e caminham para além de mim. Talvez eu vá ficando igual à armadilha da qual os pescadores dizem ser apenas água."
Sophia de Mello Breyner Andresen
Do desejo (trechos) - Hilda Hilst
"Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!"
Mario Quintana
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"olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas"
Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito.É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me […]
Florbela Espanca
"Ante o que dói e o que dorme apenas pó e reticências."
Sol Sangüineo /Salgado Maranhão
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"Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono."
Ana Cristina Cesar
o anjo que tive abandonou o meu altar
não se guardam anjos na gaiola
eu sabia
acendia-lhe velas de cera de abelha
e oferendava-lhe incenso puro
água consagrada
seda e algodão – mas um anjo não precisa de oferendas
eu sabia
vi-o chorar e desperdiçar as asas
acendi mais velas e queimei mais incenso
disse orações
ele continuou a chorar
o altar está vazio
ele deixou-o e ascendeu
ao seu mínimo
mas livre
céu